- manifesto -
Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã todo o Brasil vai falar dele. Dadá vem do dicionário. É bestialmente simples. Em francês quer dizer "cavalo de pau". Em alemão: "Não me chateies, faz favor, adeus, até à próxima!" Em romeno: "Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso." E assim por diante.
Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Mas ao mesmo tempo de modo prático, ela é muito óbvia. O que precisa ser dito já foi dito, pela sua própria definição. Assim como a ideia de movimento: — sair do lugar. E assim por diante ...
Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre escrevestes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca começa. Dadá, vós, amigos e Também poetas, queridíssimos Desesperançosos.
Como conquistar a eterna bemaventurança? Dizendo Dadá. Como ser célebre? Dizendo Dadá. Com nobre gesto e maneiras finas. Até à loucura, até perder a consciência. Como desfazer-nos de tudo o que é enguia e dia-a-dia, de tudo o que é simpático e linfático, de tudo o que é moralizado, animalizado, enfeitado? Dizendo Dadá. Dadá é a alma-do-mundo, Dadá é o Coiso, Dadá é o melhor sabão-de-leite-de-lírio do mundo. Dadá para a atitude que parece dever ser a mais séria e compromissada do mundo. Só se você for inconsquente. Quem quer trocar a boa e velha adoração, pela autossabotagem? Eu já conheci alguns /|.
Parece mágico e muito bonito, transformador e revolucionário. Seria se fosse, ao todo, verdade. Pelo menos alguma parte. O que parecia a nova alma, do novo mundo. Já foi superada. Pela então nova modernidade, e depois pela pós-modernidade. Mas não é como se tivéssemos que ser completamente pessimistas, e consequentemente injustos. A alma da palavra bestial ainda sobrevive nas ruínas de sua própria existência.
Cada coisa tem a sua palavra; pois a palavra própria transformou-se em coisa. Porque é que a árvore não há-de chamar-se plupluch e pluplubach depois da chuva? E porque é que raio há-de chamar-se seja o que for? Havemos de pendurar a boca nisso? A palavra, a palavra, a dor precisamente aí, a palavra, meus senhores, é uma questão pública de suprema importância.
Quando as coisas já se esgotaram, não consigo ficar presa a elas. É um dado da minha natureza; todo o esforço para me chamar à razão seria inútil.
Dito isso; Isso aqui não tem importância nenhuma. É muito mais um ato de desesepero (que futuramente, foi dado como mal-articulado). Quando as pessoas ficam tristes muitos tristes, elas perdem o desejo da pretensão. Não que um dia isso tenha tido alguma pretensão, ao menos não séria. Era a pretensão da-não-pretensão, do seu jeito mais idiota possível. Tomando forma, saindo do lugar. Mas tudo de repente se tornou um enorme tanto faz. Agora, de verdade. Então, voltando ao presente: — Que seja! Nem força no presente, que logo será futuro, há para contestar o que já foi feito. O que foi feito, foi feito. E talvez devêssemos nos contentar com isso.
Então, o que se pretendia isso aqui e vai continuar sendo, à torto e a direito: — apropriação em primeira instância de um movimento, de material e de atitude. E claro, desencentivo à prática artística, através da própria prática artística. Como foi feito um dia, sendo reaproveitada a ideia, tendo ideias realmente boas para serem desperdiçadas e descartadas como forma de reação ao impulso genuíno humano de adoração, de aceitação e mais profundamente de encontrar um lugar ameno para assentar suas próprias certezas ridículas. É uma forma de provocação tentadora ao outro: — Pois o outro é quem não tem personalidade. O outro é quem não tem coragem. O outro é quem não se importa com arte de verdade e apenas quer parecer algo. O outro quer fama. O outro quer aclamação. O outro é quem não leva à sério demais, ou de menos.
O outro. O outro.
Em última instância. Isso também é uma autocrítica, vale lembrar. E uma forma de autocuidado. Ou de autodestruição. Vai saber.